Conduzidos pela indústria farmacêutica e utilizados para a entrada de medicamentos no mercado, os ensaios clínicos são insuficientes para vislumbrar a efetividade desses produtos ao longo dos anos, em situações da vida real, afirma o professor Augusto Guerra, do Departamento de Farmácia Social da UFMG. “É fundamental monitorar o desempenho de todas as tecnologias – algumas das quais extremamente caras – custeadas pelo sistema público de saúde e avaliar se estamos gastando bem”, enfatiza. O assunto esteve em consulta pública até o último dia 28, na página eletrônica do Ministério da Saúde, valendo-se de diretriz metodológica elaborada por Augusto Guerra e equipe de pesquisadores, no Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCates), sediado na Faculdade de Farmácia.
Caso seja adotada, a proposta Diretriz metodológica de avaliação de desempenho de tecnologias em saúde: desinvestimento e reinvestimento pode tornar o Brasil um dos primeiros países do mundo a desenvolver programa permanente com esse objetivo. Augusto Guerra ressalta que, dos cerca de R$ 15 bilhões que o Ministério da Saúde investe anualmente em medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para consumo domiciliar e ambulatorial, parte significativa é aplicada em remédios muito caros, como o betainterferona, para tratamento de esclerose múltipla, que já não tem patente e chega a custar aos cofres públicos R$ 53 milhões o grama, quantidade suficiente para tratar apenas 700 pacientes ao preço individual aproximado de R$ 75 mil. “É preciso perguntar se está valendo a pena ou se esse recurso poderia ser usado de outra forma com os mesmos pacientes. Não estamos propondo desinvestir, mas realocar, usar melhor”, argumenta.
A ideia é monitorar os 600 medicamentos-referência em uso no país, universo que também abrange soros e vacinas. O professor esclarece que, embora haja cerca de 20 mil remédios registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a maioria é similar ou genérico, o que reduz significativamente a quantidade de tecnologias a monitorar. Com o avanço dos sistemas de informações nas redes de saúde, a proposta é que tão logo um produto seja incorporado ao SUS, além da avaliação prévia baseada em dados fornecidos pelo fabricante, também seja feito monitoramento permanente com as informações coletadas na ficha de cada paciente que recorrer a alguma unidade do sistema de saúde. “Acredito que, já no primeiro ano de uso, será possível fazer avaliação de desempenho para a maioria das tecnologias”, prevê Augusto Guerra, que atuou como gestor público no Ministério da Saúde.
Vida real
Segundo o pesquisador, para que um medicamento seja registrado nas agências reguladoras de cada país, o fabricante deve fazer ensaios clínicos, que avaliam basicamente eficácia e segurança, em um número restrito de pacientes. “Assim, quando se toma a decisão de incorporar ao SUS um novo produto, não há estudos que não tenham sido feitos pelo fabricante. De uma amostra de 300 ou mil pessoas, esse medicamento passa a ser usado por um milhão de pacientes. Terá os mesmos resultados?”, questiona Guerra. Ele ressalta que ensaio clínico é conhecido na metodologia como “controlado”, justamente por não oferecer as mesmas condições da vida real. Enquanto no ensaio mede-se a eficácia, no uso pelos pacientes mede-se a efetividade, o que, “na maioria das vezes, traz resultados diferentes”, enfatiza.
As diretrizes postas em consulta pública foram elaboradas no âmbito do termo de cooperação entre o Ministério da Saúde, a Organização Panamericana da Saúde e o CCates. De acordo com o documento, se a avaliação demonstrar que os resultados obtidos com uma tecnologia estão aquém do desejado, deve-se pensar em estabelecer um processo de desinvestimento e reinvestimento para tornar mais eficiente o uso dos recursos disponíveis, podendo estes ser alocados para outras tecnologias que apresentem real benefício à população, ou mesmo para determinados subgrupos que possam obter mais benefícios em termos de saúde coletiva.
A partir da implantação dessa diretriz, a ideia é que o Ministério da Saúde estabeleça prioridades de avaliações, que serão feitas por centros e grupos de pesquisa como o CCates, que já atende o SUS com pareceres de fornecimento administrativo e por via judicial de qualquer tecnologia ou procedimento. Para as análises, cada centro de pesquisa poderia recorrer aos seus integrantes, da mesma forma que o Centro Colaborador trabalha na UFMG. “Temos uma rede que também envolve pesquisadores de outras escolas e profissionais de saúde”, comenta o professor.
Todos os temas que chegam ao Centro também contribuem para a ampliação das áreas de pesquisa da Faculdade e têm gerado dissertações, teses e artigos.